13.3.09

O dogma, a pedra e o amor

Um belo texto de Eduardo Machado:



Ainda que eu fale todas as línguas, dos homens, dos anjos, da mídia... e use todas as línguas para proclamar dogmas, emitir opiniões em entrevistas polêmicas ou fazer comentários de botequim... se não tenho amor, sou como uma campainha estridente, incômoda, medíocre, desagradável e inútil.

Ainda que eu tenha ao meu lado e ao meu serviço toda a ciência, toda a tecnologia e todo o conhecimento... se não tenho amor, tudo isso é apenas insensível e estéril erudição.

O amor é paciente, até com aqueles que, do alto da sua religiosidade atrofiada e hipócrita, julgam-se no direito de criticar a Igreja, como se ela fosse uma instância externa, superior, distante. Eu sou Igreja, tanto quanto meu irmão na fé, D. José Cardoso Sobrinho, que preferiu o conforto da lei e do dogma à misericórdia.

E ainda que me envergonhe de muitas coisas, tenho orgulho em dizer que a Igreja é minha família. E da minha família eu até posso falar mal, pois conheço as suas entranhas, mas fico indignado vendo os católicos hereditários, os que se proclamam “não praticantes” pegando carona no senso comum, fácil e generalizante, para destacar o atraso medieval de um bispo, sem falar na hipocrisia colossal de toda uma sociedade.

Fossemos coerentes estaríamos todos às portas do Congresso pedindo a excomunhão política daqueles que estupraram os cofres públicos em Brasília, desonraram a nossa cidadania, engravidaram de desesperança as novas gerações e agora ganham, como prêmio, a presidência de comissões com seus bilhões.

Optamos pelo conforto descompromissado dos comentários de botequim.

D. José optou pela segurança da lei e do dogma. Tem ao seu lado uma verdade que até os médicos reconhecem, apesar de tantos malabarismos verbais e relativismos éticos do nosso tempo; a vida começa com a concepção. E se é assim, para preservar a vida de uma criança de nove anos, as vidas de duas outras crianças de três meses foram eliminadas.

É verdade. O aborto agride o direito fundamental à vida. E, por falar em agressão, o caso da menina de Recife é uma daquelas situações para a qual foi feito o ditado: em casa que não tem pão, todo mundo chora e ninguém tem razão.

A menina de Recife corria muitos riscos. E, o mais irônico, é que talvez nem tenha se assustado tanto com o risco que correu. Risco é coisa que conhece desde que nasceu. Correu e corre todos os riscos, todos os dias, em razão da segurança que não temos, da saúde que negamos, da educação que sonegamos, do trabalho que extinguimos em nome de uma crise primeiro mundista que está aí, a engrossar a fila dos desesperados, dos desempregados, dos enlouquecidos por esse crime hediondo chamado capitalismo selvagem.

Na vida da menina de Recife (de quantas meninas, de quantos Recifes?) faltou mais que pão. Do padrasto hediondo à sociedade hipócrita, do início ao fim, faltou misericórdia, um outro nome do amor.

Ao se apoiar no Código Canônico, ao evocar a lei, Dom José não quis correr riscos. Aqueles que vivem em palácios, sejam episcopais, legislativos ou em São João de Nepomuceno, não gostam de correr riscos. Mas Dom José conhece bem uma outra possibilidade, um outro caminho que ele podia ter seguido. Aquele a quem ele busca seguir, Jesus de Nazaré, agiu de forma diferente. Ele também viu-se diante de uma questão legal que envolvia vida e morte.

Uma mulher foi atirada diante dele. Já estava julgada e condenada. Flagrante de adultério. A pena era a morte. Faltava a execução.

Jesus não questiona a lei. Questiona a hipocrisia. Coloca-se entre a mulher e as pedras como, mais tarde, se colocaria entre a cruz e o nosso egoísmo. Oferece a opção do amor que não compactua com o pecado, mas acolhe, na ternura, o pecador.

“Aquele que estiver sem pecado que atire a primeira pedra!

“Mulher, onde estão os que te condenavam?

Não há mais ninguém, senhor...

Pois eu também não te condeno. Vai e não tornes a pecar...”

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