6.11.12

ORAÇÂO DO MILHO - Cora Coralina


 
 
 
Parque Inhotim - Matozinhos - MG
Senhor, nada valho.

Sou a planta humilde dos quintais pequenos e das lavouras pobres.

Meu grão, perdido por acaso,

nasce e cresce na terra descuidada.


Ponho folhas e haste e se me ajudares, Senhor,

mesmo planta de acaso e solitária,

dou espigas e devolvo em muitos grãos

o grão perdido inicial, salvo por milagre,

que a terra fecundou.


Sou planta primária da lavoura.

Não me pertence a hierarquia tradicional do trigo

e de mim não se faz o pão alvo universal.


O Justo não me consagrou Pão de Vida, nem lugar me foi dado nos altares.

Sou apenas o alimento forte e substancial dos que trabalham na terra, onde não vinga o trigo nobre.

Sou de origem obscura e de ascendência pobre,

alimento de rústicos e de animais de jugo.


Quando os deuses da Hélade corriam pelos bosques

coroados de rosas e de espigas,

quando os hebreus iam em longas caravanas

buscar na terra do Egito o trigo dos faraós,

quando Rute respigava cantando nas searas de Booz

e Jesus abençoava os trigais maduros,

eu era apenas o bró nativo das tabas ameríndias.



Fui o angu pesado e constante do escravo

na exaustão do eito.

Sou a broa grosseira e modesta do pequeno sitiante.

Sou a farinha econômica do proletário.

Sou a polenta do imigrante e a miga dos que começam

a vida em terra estranha.


Alimento de porcos e do triste mu de carga.

O que me planta não levanta comércio, nem avantaja dinheiro.

Sou apenas a fartura generosa e despreocupada dos paióis.

Sou o cocho abastecido donde rumina o gado.



Sou o canto festivo dos galos na glória do dia que amanhece.

Sou o cacarejo alegre das poedeiras à volta de seus ninhos.

Sou a pobreza vegetal agradecida a Vós, Senhor,

Que me fizestes necessário e humilde.

Sou o milho.”



(Cora Coralina, Oração do Milho em Poemas dos Becos de Goiá e Estórias Mais, Global Editora, São Paulo 1985, pp. 163-164)

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