29.4.14

João e Maria... Isabela, Joaquim Marques, Bernardo Boldrini...






João e Maria
e Isabela Nardoni, Joaquim Marques, Bernardo Boldrini...

O caso do menino Bernardo, pelo que se sabe até agora, assassinado pela madrasta, vem juntar-se a outros, recentes ou não, em que a crueldade contra crianças nos envergonha, assusta e deixa indignados. Diante de tanta brutalidade, uma pergunta incômoda vem à tona; aumentou a violência, cresceu a insensibilidade ou tudo isso sempre existiu e, agora, apenas tem mais divulgação através da mídia?

Tendo a acreditar mais na segunda hipótese, mas o poder ampliador e a exploração escandalosa que certo tipo de imprensa faz desses casos não são, por si só, a única explicação.
A violência contra crianças sempre existiu e há traços dela até mesmo nas histórias infantis.
A propósito da Campanha da Fraternidade deste ano, que trata do “Tráfico de pessoas”, já lembrei aqui a história do “homem do saco”, que sequestrava crianças e as escravizava, obrigando-as a trabalhar para ele.


Há coisa pior. Todo mundo conhece a historinha dos irmãos João e Maria, filhos de um pobre lenhador que com apoio da mulher, decide abandoná-los na floresta porque a família não tinha condições para mantê-los. A ideia era que, perdidos na floresta, morressem de fome ou fossem devorados por animais ferozes.

Dá pra imaginar as crianças ouvindo essa história, contada pelos pais...?
Sem resvalar para o “politicamente correto”, radical e insuportável, sou de uma geração que “atirou o pau no gato”, pedra em passarinho e brincava de “nego fugido, pego...” Sobrevivemos, apesar das histórias infantis que ouvimos estarem repletas de crueldade, crimes, brutalidade de toda sorte.

Evoluímos. Dados e estatísticas das polícias Civil e Militar demonstram que certos tipos de crime até tiveram redução nos últimos anos, se considerarmos o crescimento da população, mas os mesmos dados informam que cresceu o caráter hediondo da violência, com manifestações cada vez mais brutais e cruéis, potencializadas, em especial, pelo consumo de drogas.

Volto à pergunta inicial: aumentaram os casos ou a denúncia do que sempre existiu?
E, em se tratando de denúncia, aí entra o papel daquela imprensa hematófaga, que transforma sangue em espetáculo, que, por sua vez, alimenta a indústria da in-segurança, que nos faz sentir acuados em nossas casas, apartamentos e condomínios transformados em campos de concentração de medo e desconfiança. O resultado? Quantos políticos serão eleitos, em outubro, com esse previsível discurso de que lugar de bandido é na cadeia? E o lugar dos fabricantes de bandidos, que desviam bilhões da Educação, da Saúde, da Segurança e da Esperança, é aonde?


Quantos apresentadores, no Rádio e na TV, ganham milhões para nos assombrar, diariamente com seus apelos sanguinolentos, a pedir, velada ou explicitamente, leis mais duras, prisão perpétua, pena de morte...
Pena de morte? Mais??? Só em Pedrinhas, no Maranhão, já houve mais execuções nos últimos doze meses que em todos os países que têm a pena capital, juntos!


Sem ingenuidade, sem síndrome de Polyanna, penso que, apesar de tudo, estamos num processo contínuo de evolução e revolução humana. Lentamente, num movimento quase imperceptível para quem está dentro dele, assim como não percebemos a rotação da Terra, estamos nos movendo na direção do Mais, do Magis, re-conhecendo em nós mesmos a imagem e semelhança com o Criador que se revelou, desde sempre, desde antes do sempre, amor apaixonado.


Repito e insisto: Deus, que É amor, criou cada um de nós POR amor e PARA o amor. O amor é nosso berço, caminho e destino. Podemos confirmar isso fazendo um passeio pela nossa memória afetiva, buscando a lembrança dos momentos mais felizes da nossa vida.

Pare agora a leitura dessa crônica. Afaste-se do computador ou do papel. Dê a si mesmo um tempo para recordar (re-cordis = trazer de novo ao coração), percorrendo os labirintos da memória e tentando selecionar, entre as muitas experiências e momentos vividos, aquelas e aqueles que mais alegraram o seu coração, dando-lhe a sensação de quase plenitude, de alegria intensa, profunda, duradoura.
Contemple cada um desses momentos e deixe que os sentimentos venham à tona.
Agora... um detalhe; em algum desses momentos re-cordados você estava sozinho(a)...?
Dificilmente...

Os momentos mais felizes da nossa vida estão ligados a experiências de amar e ser amado. “Deus é amor; e quem está no amor está em Deus, e Deus nele. 1João 4:16”.
Violência só serve para atrair mais e mais violência. É nisso que acredito no mais profundo da minha esperança. Sem abrir mão da Justiça, que deve ser cada vez mais humanizada e não brutalizada. Colocar a Educação no lugar da vingança, a oportunidade no lugar da exclusão e do abandono.


Meu guru, tão humano quanto eu, nessa seara, continua sendo Mahatma Gandhi, que me ensinou: “Se optarmos pelo olho por olho, dente por dente, vamos acabar vivendo num mundo de cegos e banguelas...”
Minha colega, a educadora Rosana da Franca, sublinha que fomos criados pelo e para o Amor e a vivência desse Amor é a razão maior, senão única, da nossa existência. E acrescenta:
“Cabe, porém, uma pergunta: A quem se destina o nosso amor? Aos que nos amam? Isso não é tão difícil assim. Difícil é amar, mesmo não gostando, os que nos agridem, os violentos, os corruptos, os ingratos... eis aí o nosso maior desafio! Aplacar a ira, a sede de vingança, o “pagar com a mesma moeda”, buscando entender que os que são alvo da nossa indignação são os enfermos de que Jesus falou, dizendo que é para eles que Ele veio, e continua vindo, pelas nossas mãos, palavras e gestos de solidariedade”.


Amar essa gente que nos assusta é reconhecer neles, mesmo sob as muitas camadas da maldade que os corrompeu, a dignidade humana possível, resistente, sobrevivente. Perdoar, restaurar, reconstruir, é uma das mais belas formas de amar. E das mais difíceis, também.
Que possamos aprender com as crianças, para além da brutalidade das histórias infantis, sejam fábulas ou realidade, alguma coisa que nos torne mais... humanos. Como Jesus; “tão humano assim, só podia ser Deus...”
Eduardo Machado
28/04/2014

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