28.1.16





QUALQUER CAMINHO LEVA A TODA PARTE

[ Fernando Pessoa ]

Qualquer caminho leva a toda parte.
Qualquer ponto é o centro do infinito.
E por isso, qualquer que seja a arte
De ir ou ficar, do nosso corpo ou ‘spr’rito,
Tudo é ‘stático e morto. Só a ilusão
Tem passado e futuro, e nela erramos.
Não há ‘strada senão na sensação
É só através de nós que caminhamos.

Tenhamos p’ra nós mesmos a verdade
De aceitar a ilusão como real
Sem dar crédito à sua realidade.
E, eternos viajantes, sem ideal
Salvo nunca parar, dentro de nós,
Consigamos a viagem sempre nada
Outros eternamente, e sempre sós;
Nossa própria viagem é viajante e ‘strada.

Que importa que a verdade da nossa alma
Seja ainda mentira, e nada seja
A sensação, e essa certeza calma
De nada haver, em nós ou fora, seja
Seja inutilmente a nossa consciência?
Faça-se a absurda viagem sem razão,
Porque a única verdade é a consciência
E a consciência é ainda uma ilusão.

E se há nisto um segredo e uma verdade
Os deuses ou destinos que a demonstrem
Do outro lado da realidade,
Ou nunca a mostrem, se nada há que mostrem
O caminho é de âmbito maior
Que a aparência visível do que está fora,
Excede de todos nós o exterior
Não pára como as cousas, nem tem hora.

Ciência? Consciência? Pó que a ‘strada deixa
E é a própria ‘strada, sem ‘strada ser.
É absurda a oração, é absurda a queixa.
Resignar(- se) é tão falso como ter.
Coexistir? Com quem, se estamos sós?
Quem sabe? Sabe o que é ou quem são?
Quantos cabemos dentro de nós?

Ir é ser. Não parar é ter razão.