28.3.13

CANÇÂO DOS HOMENS - Lya Luft

Praia de São José - Itacaré - BA


Que quando chego do trabalho ela largue por um instante o que estiver fazendo
- filho, panela ou computador - e venha me dar um beijo como os de antigamente.

Que quando nos sentarmos à mesa para jantar
ela não desfie a ladainha dos seus dissabores domésticos.

E se for uma profissional, que divida comigo o tempo de comentarmos nosso dia.

Que se estou cansado demais para fazer amor,
ela não ironize nem diga que "até que durou muito" o meu desejo ou potência.

Que quando quero fazer amor ela não se recuse demasiadas vezes, nem fique impaciente ou rígida, mas cálida como foi anos atrás.

Que não tire nosso bebê dos meus braços dizendo que homem não tem jeito pra isso, ou que não sei segurar a cabecinha dele, mas me ensine docemente se eu não souber.

Que ela nunca se interponha entre mim e as crianças, mas sirva de ponte entre nós quando me distancio ou me distraio demais.

Que ela não me humilhe porque estou ficando calvo ou barrigudo, nem comente nossas intimidades com as amigas, como tantas mulheres fazem.

Que quando conto uma piada para ela ou na frente de outros, ela não faça um gesto de enfado dizendo "Essa você já me contou umas mil vezes".

Que ela consiga perceber quando estou preocupado com trabalho, e seja calmamente carinhosa, sem me pressionar para relatar tudo, nem suspeitar de que já não gosto dela.

Que quando preciso ficar um pouco quieto ela não insista o tempo todo para que eu fale ou a escute, como se silêncio fosse falta de amor.

Que quando estou com pouco dinheiro ela não me acuse de ter desperdiçado com bobagens em lugar de prover minha família.

Que quando eu saio para o trabalho de manhã ela se despeça com alegria, sabendo que mesmo de longe eu continuo pensando nela.

Que quando estou trabalhando ela não telefone a toda hora para cobrar alguma coisa que esqueci de fazer ou não tive tempo.

Que não se insinue com minha secretária ou colega para descobrir se tenho amante.

Que com ela eu também possa ter momentos de fraqueza e de ternura, me desarmar, me desnudar de alma, sem medo de ser criticado ou censurado: que ela seja minha parceira, não minha dependente nem meu juiz.

Que cuide um pouco de mim como minha mulher, mas não como se eu fosse uma criança tola e ela a mãe, a mãe onipotente, que não me transforme em filho.

Que mesmo com o tempo, os trabalhos, os sofrimentos e o peso do cotidiano, ela não perca o jeito terno e divertido que tanto me encantou quando a vi pela primeira vez.

Que eu não sinta que me tornei desinteressante ou banal para ela, como se só os filhos e as vizinhas merecessem sua atenção e alegria.

E que se erro, falho, esqueço, me distancio, me fecho demais, ou a machuco consciente ou inconscientemente,

Ela saiba me chamar de volta com aquela ternura que só nela eu descobri, e desejei que não se perdesse nunca, mas me contagiasse e me tornasse mais feliz, menos solitário, e muito mais humano.

Lya Luft

25.3.13

CIRURGIA DE LIPOASPIRAÇÃO?

 
BH - MG
  

HERBERT VIANNA,  nos dá uma lição de lucidez e visão de como precisamos rever valores e reconceituarmos nossas vidas. Um texto riquíssimo. Corrobora com meu pensamento a respeito desse tema intrigante e urgente que esteja sendo discutido por muitos.  Leiam, reflitam, compartilhem!    

J. Carvalho

"Pelo amor de Deus, eu não quero usar nada nem ninguém, nem falar do que não sei, nem procurar ...culpados, nem acusar ou apontar pessoas, mas ninguém está percebendo que toda essa busca insana pela estética ideal é muito menos lipo-as e muito mais piração?

Uma coisa é a saúde e outra é obsessão. O mundo pirou, enlouqueceu. Hoje, Deus é a auto-imagem. Religião é a dieta. Fé, só na estética. Ritual é a malhação.

Amor é cafona, sinceridade é careta, pudor é ridículo e sentimento é bobagem.

Gordura é pecado mortal. Ruga é contravenção. Roubar pode, envelhecer não. Estria é caso de policia. Celulite é falta de educação e Filho da Puta bem sucedido é exemplo de sucesso.

A máxima moderna é uma só: pagando bem, que mal tem?

A sociedade consumidora, a que tem dinheiro, a que produz, não pensa em mais nada além da imagem, imagem, imagem, imagem, estática, medidas, beleza. Nada mais importa. Não importam os sentimentos, não importa a cultura, a sabedoria, o relacionamento, a amizade, a ajuda, nada mais importa.

Não importa o outro, o coletivo. Jovens não têm mais fé, nem idealismo, nem posição política. Adultos perdem o senso em busca da juventude fabricada.

Ok, eu também quero me sentir bem, quero caber na roupas, quero ficar legal, quero caminhar, correr, viver muito, ter uma aparência legal mas...

Uma sociedade de adolescentes anoréxicas e bulimicas, de jovens lipoaspirados, turbinados, aos vinte anos não é natural. Não é, não pode ser. Que as pessoas discutam o assunto. Que alguém acorde. Que o mundo mude.Que eu me acalme. Que o amor sobreviva".



“CUIDE BEM DO SEU AMOR, SEJA ELE QUEM FOR.”
Herbert Vianna
Cantor e compositor

12.3.13

Barrado no Conclave...




Santuário da Serra da Piedade - Caeté-MG

Jesus barrado no conclave dos Cardeais

                      11/03/2013 - Por Leonardo Boff.                      

Cardeais da Igreja Católica vieram de todas as partes do mundo, cada qual carregando as angústicas e as esperanças de seus povos, alguns martirizados pela Aids e outros atormentados pela fome e pela guerra. Mas todos mostravam certo constrangimento e até vergonha pois vieram à luz os escândalos, alguns até criminosos, ocorridos em muitas dioceses do mundo, com os padres pedófilos; outros implicados na lavagem de dinheiro de mafiosos e super-ricos italianos que para escapar dos duros ajustes financeiros do governo italiano, usavam o bom nome do Banco Vaticano para enviar milhões de Euros para a Alemanha e para os USA. E havia ainda escândalos sexuais no interior da Cúria bem como intrigas internas e disputas de poder.

Face à gravidade da situação, o Papa reinante sentiu que lhe faltavam forças para enfrentar tão pesada crise e constatando o colapso de sua própria teologia e o fracasso  do modelo de Igreja, distanciado do Vaticano II, que, sem sucesso, tentou implementar na cristandade, acabou honestamente renunciando. Não era covardia de um pastor que abandona o rebanho mas a coragem de deixar o lugar para alguém mais apropriado para sanar o corpo ferido da Igreja-instituição.

Finalmente chegaram todos os Cardeais, alguns retardatários, à sede de São Pedro para elegerem um novo Papa. Fizeram várias reuniões prévias para ver como enfrentariam este fato inusitado da renúncia de um Papa e o que fariam com o volumoso relatório do estado degenerado da administração central da Igreja. Mas em fim decidiram que não podiam esperar mais e que em poucos dias deveriam realizar o Conclave.
Juntos rezaram e discutiram o estado da Terra e da Igreja, especialmente a crise moral e financeira que a todos preocupava e até escandalizava. Consideraram, à luz do Espírito de Deus, qual deles seria o mais apto para cumprir a dificil missão de “confirmar os irmãos e as irmãs na fé”, mandato que o Senhor conferira a Pedro e a seus sucessores e recuperar a moralidade perdida da instituição eclesiástica.
 
Enquanto lá estavam, fechados e isolados do mundo, eis que apareceu um senhor que pelo modo de vestir e pela cor de sua pele  parecia ser um semita. Veio à porta da Capela Sistina e disse a um dos Cardeais retardatários: ”posso entrar com o Senhor, pois todos os Cardeais são meus representantes e preciso urgentemente falar com eles”.

O Cardeal, pensando tratar-se de um louco, fez um gesto de irritação e disse-lhe benevolamente: “resolva seu problema com a guarda suiça”. E bateu a porta. Então, este estranho senhor, calmamente se dirigiu ao guarda suiço e lhe disse:”posso entrar para falar com os Cardeais, meus representantes”? O guarda o olhou de cima para baixo e não acreditando no que ouvira, pediu, perplexo, que repetisse o que dissera. E ele o fez. O guarda com certo desdém lhe disse: “aqui entram somente cardeais e ninguém mais”.
Mas esta figura enigmática insistiu: “eu até falei com um dos Cardeais e todos eles são meus representantes, por isso, me permito  de estar com eles”.

O guarda, com razão, pensou estar diante de um paranóico destes que se apresentam como Cesar ou Napoleão. Chamou o chefe da guarda que tudo ouvira. Este o agarrou pelos ombros e lhe disse com voz alterada: ”Aqui não é um hospital psiquiátrico. Só um louco imagina que os Cardeais são seus representantes”.

Mandou que o  entregassem ao chefe de polícia de Roma. Lá, no prédio central, repetiu o mesmo pedido: “preciso falar urgentemente com meus representantes, os Cardeais”. O chefe de polícia nem se deu ao trabalho de ouvir direito. Com um simples gesto determinou que fosse retirado. Dois fortes policiais  o jogaram numa cela escura.

De lá de dentro continuava a gritar. Como ninguém o fizesse calar, deram-lhe murros na  boca e muitos socos. Mas ele, sangrando, continuava a gritar:”preciso falar com meus representantes, os Cardeais”. Até que irrompeu cela adentro um soldado enorme que começou a golpeá-lo sem parar até que caisse desmaiado. Depois amarrou-lhe os braços com um pano e o dependurou em dois suportes que havia na parede. Parecia um crucificado. E não se ouviu mais gritar:”preciso falar com meus representantes, os Cardeais”.

Ocorre que este misterioso personagem não era cardeal, nem patriarca, nem metropolita, nem arcebispo, nem bispo, nem padre, nem batizado, nem cristão, nem católico. Era um simples homem, um judeu da Galiléia. Tinha uma mensagem que poderia salvar a Igreja e toda a humanidade. Mas ninguém quis ouvi-lo. Seu nome é Jeshua.

Qualquer semelhança com Jesus de Nazaré, de quem os Cardeais se dizem representantes, não é mera coincidência mas a  pura verdade.

“Veio para os seus, e os seus não o receberam” observou mais tarde e  tristemente um seu evangelista.

1.3.13

Subindo de Classe?


6/12/2012 - Via Coluna do Ricardo Setti - Veja.
às 17:00 \ Política & Cia

Um tema que Lya Luft discorre e nos oferta para uma boa reflexão,  nestes tempos de consumismo exacerbado, e principalmente, irresponsável do povo brasileiro, que só este ano despejaram nas lojas de New York,  1(hum) bilhão e meio de dólares.  Povo rico não é minha gente?         - J.Carvalho.           
                                                                                                                                                                                                                                                                                              

Lya Luft 
Lya Luft: “Vejo multidões consumindo, estimuladas a consumir como se isso constituísse um bem em si e promovesse real crescimento do país. (…) Isso não é subir de classe social”
Publicado originalmente em 5 de junho de 2012.
(Artigo publicado na edição impressa de VEJA)
DEGRAUS DA ILUSÃO
    Lya Luft                 

Fala-se muito na ascensão das classes menos favorecidas, formando uma “nova classe média”, realizada por degraus que levam a outro patamar social e econômico (cultural, não ouço falar). Em teoria, seria um grande passo para reduzir a catastrófica desigualdade que aqui reina. Porém receio que, do modo como está se realizando, seja uma ilusão que pode acabar em sérios problemas para quem mereceria coisa melhor. Todos desejam uma vida digna para os despossuídos, boa escolaridade para os iletrados, serviços públicos ótimos para a população inteira, isto é, educação, saúde, transporte, energia elétrica, segurança, água, e tudo de que precisam cidadãos decentes.

Porém, o que vejo são multidões consumindo, estimuladas a consumir como se isso constituísse um bem em si e promovesse real crescimento do país. Compramos com os juros mais altos do mundo, pagamos os impostos mais altos do mundo e temos os serviços (saúde, comunicação, energia, transportes e outros) entre os piores do mundo. Mas palavras de ordem nos impelem a comprar, autoridades nos pedem para consumir, somos convocados a adquirir o supérfluo, até o danoso, como botar mais carros em nossas ruas atravancadas ou em nossas péssimas estradas.

Além disso, a inadimplência cresce de maneira preocupante, levando famílias que compraram seu carrinho a não ter como pagar a gasolina para tirar seu novo tesouro do pátio no fim de semana. Tesouro esse que logo vão perder, pois há meses não conseguem pagar as prestações, que ainda se estendem por anos.

"Somos convocados a adquirir o supérfluo, até o danoso, como botar mais carros em nossas ruas atravancadas ou em nossas péssimas estradas".
 
Estamos enforcados em dívidas impagáveis, mas nos convidam a gastar ainda mais, de maneira impiedosa, até cruel. Em lugar de instruírem, esclarecerem, formarem uma opinião sensata e positiva, tomam novas medidas para que esse consumo insensato continue crescendo – e, como somos alienados e pouco informados, tocamos a comprar.

Sou de uma classe média em que a gente crescia com quatro ensinamentos básicos: ter seu diploma, ter sua casinha, ter sua poupança e trabalhar firme para manter e, quem sabe, expandir isso. Para garantir uma velhice independente de ajuda de filhos ou de estranhos; para deixar aos filhos algo com que pudessem começar a própria vida com dignidade.

Tais ensinamentos parecem abolidos, ultrapassadas a prudência e a cautela, pouco estimulados o desejo de crescimento firme e a construção de uma vida mais segura. Pois tudo é uma construção: a vida pessoal, a profissão, os ganhos, as relações de amor e amizade, a família, a velhice (naturalmente tudo isso sujeito a fatalidades como doença e outras, que ninguém controla). Mas, mesmo em tempos de fatalidade, ter um pouco de economia, ter uma casinha, ter um diploma, ter objetivos certamente ajuda a enfrentar seja o que for. Podemos ser derrotados, mas não estaremos jogados na cova dos leões do destino, totalmente desarmados.

Somos uma sociedade alçada na maré do consumo compulsivo, interessada em “aproveitar a vida”, seja o que isso for, e em adquirir mais e mais coisas, mesmo que inúteis, quando deveríamos estar cuidando, com muito afinco e seriedade, de melhores escolas e universidades, tecnologia mais avançada, transportes muito mais eficientes, saúde excelente, e verdadeiro crescimento do país. Mas corremos atrás de tanta conversa vã, não protegidos, mas embaixo de peneiras com grandes furos, que só um cego ou um grande tolo não vê.
A mais forte raiz de tantos dos nossos males é a falta de informação e orientação, isto é, de educação. E o melhor remédio é investir fortemente, abundantemente, decididamente, em educação: impossível repetir isso em demasia. Mas não vejo isso como nossa prioridade.

Fosse o contrário, estaríamos atentos aos nossos gastos e aquisições, mais interessados num crescimento real e sensato do que em itens desnecessários em tempos de crise. Isso não é subir de classe social: é saracotear diante de uma perigosa ladeira. Não tenho ilusão de que algo mude, mas deixo aqui meu quase solitário (e antiquado) protesto.