16.6.11

Continuação as Homenagens que faço ao Gênio B. Dylan - 70 anos


Dylan Volume 4 – Um gênio que não pára

“Você não consegue dizer nada sobre Dylan que já não tenha sido dito.”

  • Texto de Sérgio Vaz

Bob Dylan não cabe num texto só. Vou publicar quatro.

Quando Dylan fez 40 anos, em 1981, fiz um longo texto sobre ele para o Jornal da Tarde. Foi o resultado de uma grande, exaustiva, cuidadosa pesquisa. Sempre tinha acompanhado a carreira dele, desde 1965, quando minha amiga Lalá, colega do Aplicação de Belo Horizonte, trouxe dos Estados Unidos o Bringing it All Back Home. Mas, para fazer a matéria, li uns dois ou três livros, mais um monte de coisa publicada na imprensa.

O resultado do trabalho, acho, sem bobagem de modéstia, ficou bom. Foi publicado na primeira e na segunda páginas do Caderno de Sábado do Jornal da Tarde, que na época era uma espécie de suplemento cultural, com espaço para textos longos; Sandro Vaia era o editor do Caderno de Sábado, e me deixou completamente à vontade para que eu mesmo desenhasse as páginas. Diagramei, escolhi as fotos, fiz tudo.

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É um dos textos de que mais tenho orgulho, dos textos que mais tinha vontade de publicar neste site, desde que pensei em criá-lo.

Ao relê-lo agora, no entanto, percebi que seria muito esquisito botar no ar um texto sobre Bob Dylan escrito em 1981 sem acrescentar mais nada. Não fiz, nem de longe, uma pesquisa profunda como a daquela época. Em 1981 eu tinha 31 anos, estava cheio de gás – e ainda ganhava um dinheirinho extra para fazer os free-lances para a editoria de Variedades, fora das minhas sete, oito, às vezes dez horas de trabalho como sub-editor de Reportagem Geral. Agora, 60 anos recém-completados, não tenho mais tanto gás quanto tinha naquela época.

Mas então, como não dá simplesmente para republicar o texto de 1981 e não falar nada sobre as muitas vidas de Bob Dylan ao longo destes quase 30 anos, lá vai alguma coisa.

Depois dos 40 anos, 31 novos discos, um Oscar, dois filmes…

De 1981 para cá, a gravadora de Dylan lançou 31 novos discos – vários duplos, alguns triplos; houve um Oscar, houve No Direction Home: Bob Dylan, o belíssimo documentário de Martin Scorsese sobre parte de sua vida, houve Eu Não Estou Lá, de Todd Haynes, o filme em que diversos atores, entre eles Cate Blanchett e Richard Gere, interpretam “as várias vidas de Bob Dylan”.

(“As várias vidas de Bob Dylan.” Décadas antes do filme de Todd Haynes, eu falava no meu texto para o Jornal da Tarde que “existem três, quatro, cinco, vários, alguns milhões de Bob Dylans”. Nada mal…)

Outras dezenas de livros sobre ele foram escritos. Ele mesmo escreveu um livro autobiográfico contando alguns episódios de sua vida, Chronicles Volume 1, também lançado no Brasil. A revista Newsweek deu mais uma capa com ele, em 1997, e agora há pouco, na retrospectiva da primeira década do novo século e milênio, escolheu Love and Theft, de 2001, como o segundo melhor álbum feito nos últimos dez anos. (O primeiro lugar foi um tal de Speakerboxxx/The Love Below, de um certo OutKast. Muito prazer em conhecer.)

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Aliás, a abertura do texto sobre Love and Theft no site da Newsweek, assinado por Seth Colter Walls, é ótima. Vale a pena transcrever:

“Você não consegue dizer nada sobre Dylan que já não tenha sido dito. (Vá em frente e tente para ver!)”

O respeito por ele só cresceu, nestes quase 30 anos

O reconhecimento da importância, da estatura de Dylan dentro da música popular, que já era unânime, só cresceu, nestas três últimas décadas. Pego o início do texto sobre ele no AllMusic, o site indispensável para qualquer um que goste de música; é um belo e longo texto (18 parágrafos), assinado por Stephen Thomas Erlewine, que seguramente é mais interessante e informativo do que este meu aqui:

“A influência de Bob Dylan sobre a música popular é incalculável. Como compositor, ele foi pioneiro em várias diferentes escolas de criação de canções, do cantor-autor confessional às narrativas sinuosas, alucinatórias, fluxo-de-consciência. Como vocalista, destruiu a noção de que um cantor precisa ter uma boa voz pelos padrões convencionais, redefinindo assim o papel do vocalista na música popular. Como músico, iluminou diversos gêneros de música popular, incluindo o folk-rock eletrificado e o country-rock. E isso apenas toca na pontinha de suas conquistas. A força de Dylan era evidente durante o auge da popularidade nos anos 60 – a mudança dos Beatles rumo às canções introspectivas em meados dos 60 nunca teria acontecido sem ele –, mas sua influência ecoou através de várias gerações subseqüentes, enquanto muitas de suas canções se tornaram standards populares e seus melhores álbuns viraram clássicos do cânone do rock & roll. A influência de Dylan sobre a música folk foi igualmente poderosa, e ele assinala uma reviravolta fundamental na sua evolução do século XX, marcando a época em que o gênero se afastou das canções tradicionais em direção às músicas escritas em tom pessoal. Mesmo quando suas vendas declinaram nos anos 80 e 90, a presença de Dylan raramente diminuiu, e seu renascimento comercial nos anos 2000 provou seu poder de permanência.”

Muitas estrelas para seus discos – mas, pensando bem, e daí?

Rob Sheffield, a quem coube a sorte de escrever o verbete Bob Dylan na quarta edição do Rolling Stone Album Guide, de 2004, assim como coube a mim o privilégio de escrever sobre seus 40 anos no velho e bom Jornal da Tarde, abre seu texto com um tom bíblico: “Olhe para seus trabalhos, ó poderosos, e se desesperem. Depois de 40 anos no negócio, Bob Dylan ainda faz todos os outros compositores soarem como filhotes medrosos, e, em termos de volume, construiu o mais amplo conjunto da obra que merece ser ouvido no rock & roll.”

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E aí diz que Dylan fez um coquetel que mistura raízes do folk, poesia beat, Chuck Berry, Baudelaire, remédios do Texas (“Texas medicine” – essa é uma piada interna para o público americano; não sei o que significa; será droga, alucinógeno, cogumelo? se alguém souber, por favor, mande mensagem), gim de beira de estrada, e suas próprias mutações psicodélicas do blues, cantando tudo isso naquele uivo dele, intenso como o Livro do Deuteronômio. Atualmente – continua ele – os fracassos de Dylan são tão míticos quanto seus sucessos, e ele permanece como a fonte de vitalidade mais durável do rock, um vagabundo misterioso com suas botas vagando por todo o mapa da música americana.

O guia da revista Rolling Stone dá 5 estrelas para 13 dos álbuns de Dylan. E eles distribuem 5 estrelas com uma avareza absurda. Na explicação do que é um disco 5 estrelas, dizem: “Clássico. Essencial ouvir, mesmo se você for só um pouco curioso sobre o artista ou gênero em discussão. Não apenas esses álbuns merecem que você os compre, como também têm uma grande chance de enriquecer sua vida.” Dois discos tiveram cotação de 4.5 estrelas. Outros oito receberam 4 estrelas, de Excelente.

Em 2004, quando a Rolling Stone publicou sua lista das 500 maiores canções de todos os tempos, “Like a Rolling Stone” (que, não por coincidência, inspirou o nome da revista), de 1965, foi a número 1. “Blowin’ in the Wind” apareceu no número 14.

Depois de fazer esse levantamento, me dei conta de que, por mais interessante que ele possa ser, é absolutamente bobo, porque Dylan é mais ou menos uns 200 bilhões de vezes mais importante do que o qualquer crítico disser sobre ele.

Os discos de 1981 para cá

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Um pouco, então, sobre os discos deste período de 1981 para cá. Foram 19 álbuns de material novo – quatro deles gravados ao vivo, os outros 15 com canções que ele ainda não havia gravado, a imensa maior parte de autoria dele mesmo, algumas tradicionais ou de outros autores recriadas por ele.

Eis a relação:

1981 – Shot of Love

1983 – Infidels

1984 – Real Live (ao vivo)

1985 – Empire Burlesque

1986 – Knocked Out Loaded

1988 – Down in the Groove

1989 – Dylan & the Dead (ao vivo)

1989 – Oh Mercy

1990 – Under the Red Sky

1992 – Good as I Been to You

1993 – The 30th Anniversary Concert Celebration (ao vivo)

1993 – World Gone Wrong

1995 – MTV Unplugged (ao vivo)

1997 – Time Out of Mind

2001 – Love and Theft

2003 – Masked and Anonymous

2006 – Modern Times

2009 – Together Through Life

2009 – Christmas in the Heart

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Entremeados com esses 19 discos de material novo, a gravadora de Dylan, a Columbia, que no Brasil já foi CBS, e hoje é Sony Music, tanto lá quanto aqui, lançou 12 outros discos – a maioria duplos, outros triplos. Cinco deles são compilações, reuniões de sucessos, best of, faixas gravadas para os discos oficiais mas não aproveitadas na época. Os outros sete são de gravações ao vivo.

A Columbia havia enfrentado durante décadas a concorrência com os discos piratas, como digo no meu texto pelos 40 anos do compositor. Aprendeu com a concorrência, e resolveu lançar, oficialmente, as gravações feitas ao vivo ao longo da carreira de Dylan, e que deram origem aos discos piratas – os bootlegs. Criou, então, um troço chamado The Bootleg Series – coisa finíssima. São shows históricos, com uma qualidade de som excepcional, 200 vezes melhor do que dos piratas de antigamente, ou coletâneas de material inédito, em edições preciosas, com imensos livretos repletos de fotos e informações.

Aqui está a relação destes discos, desde as meras compilações até esses lançamentos caprichados:

1985 – Biograph – caixa com 5 LPs, mais tarde 3 CDs, com canções inéditas, gravações não aproveitadas nos álbuns oficiais, os outtakes, e também com faixas importantes dos discos anteriores;

1991 – The Bootleg Series Volumes 1-3, Rare & Unreleased, 1961-1991 – Caixa com 3 CDs, imperdível, sensacional, fantástica;

1994 – Greatest Hits Volume 3 – 2 CDs, mais um CD-ROM;

1998 – Live 1966 – The Bootleg Series Vol. 4 – The “Royal Albert Hall” Concert – CD duplo; as primeiras gravações elétricas ao vivo;

2000 – The Essential Bob Dylan – CD duplo, papa-níquel, dispensável;

2002 – Live 1975 – The Bootleg Series Vol. 5 – The Rolling Thunder Revue – CD duplo;

2004 – Live 1964 – The Bootleg Series Vol. 6 – Concert at Philharmonic Hall – CD duplo;

2005 – No Direction Home: The Soundtrack – The Bootleg Series Vol. 7 – CD duplo, lançado juntamente com o documentário de Scorsese;

2005 – The Best of Bob Dylan – CD simples, caça-níqueis, dispensável;

2007 – Dylan – CD triplo, canções agrupadas em ordem cronológica;

2008 – Tell Tale Signs – The Bootleg Series Vol. 8 – Rare and Unreleased 1989-2006 – Houve uma edição em CD duplo e outra em CD triplo.

Alguns dispensáveis, algumas obras-primas

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Todos os volumes dessa Bootleg Series, mais a caixa Biograph, são fundamentais para quem de fato gosta de Dylan.

Dos 19 discos de material novo, há alguns que, de fato, na minha opinião, são dispensáveis, ou, no mínimo, não fundamentais. Dylan & The Dead, com o conjunto Greatfull Dead, e Real Live, são ruins. Empire Burlesque, Knocked Out Loaded, Down in the Groove e Under the Red Sky também são menores dentro da obra dele. Em Good as I Been to You e World Gone Wrong não há canções de autoria dele – é um exercício dele como cantor de preciosidades antigas da música americana.

Mas há algumas obras primas. O cara é fogo. Com ele – assim como com Paul McCartney – não tem esse negócio de ficou mais velho a inspiração diminui, a criatividade diminui. Oh Mercy é um belo disco, poderoso, com bons arranjos e pelo menos uma pérola das maiores, “What Was it You Wanted”. E os discos Time Out of Mind, Love and Theft e Modern Times, feitos quando ele já passava dos 56 anos, são obras-primas, excepcionais; são dos melhores discos de toda a sua longa e prolífera carreira, tão fortes, tão poderosos, tão belos quanto os do auge da juventude nos anos 60.

Eu me lembrava que havia escrito, no meu diário bissexto, alguma coisa sobre Time Out of Mind, quando o disco saiu, em 1997. Fui remexer agora nas minhas anotações e vi que fiz um texto grande, na época – realmente não me lembrava que era um texto tão longo. Foi no balanço do ano, que costumo fazer nos últimos dias dos dezembros ou primeiros dos janeiros. Anotei lá, certamente com algum exagero: “Acho que, para mim, sobretudo, 1997 foi o ano em que Robert Allen Zimmermann fez o disco mais belo, mais trágico, mais profundo da sua imensa infinita carreira.” Embora tenha sido escrita para mim mesmo, uma anotação estritamente pessoal, decidi que vou publicá-la neste site, que afinal de contas foi criado para eu botar os textos de alguns amigos próximos, mas sobretudo para os meus textos, os para publicação, mais engravatados, e os meus para mim mesmo, bem mais soltos, livres dos rigores de qualquer objetividade. Será o Dylan Volume 3; o Dylan Volume 2 é o texto do press release do disco Infidels, de 1983, que escrevi sob encomenda da gravadora CBS.

Dylan, George e outros amigos

http://50anosdetextos.com.br/wp-content/uploads/2010/02/bob1998.jpgQuando anotei lá em cima que é bobagem citar as loas dos críticos a Bob Dylan, já que ele e sua obra são mais ou menos uns 200 bilhões de vezes mais importantes do que qualquer crítico disser sobre ele, me lembrei de uma história a respeito de George Harrison, o Beatle que ficou mais próximo de Dylan.

Ficaram amigos no início dos anos 70. Dylan foi um dos convidados super-especiais para os concertos para Bangladesh que George organizou no Madison Square Garden de Nova York em 1971 – o primeiro grande projeto humanitário feito por estrelas do rock, para angariar dinheiro para ajuda ao povo do país asiático devastado pela guerra civil e calamidades naturais. Quando George lançou seu primeiro álbum depois do fim dos Beatles, o espetacular All Things Must Pass, também em 1971 – uma caixa com três LPs, depois reeditada como um CD duplo, e mais tarde relançada remixada em 2001 numa edição preciosa –, escolheu para abrir aquele latifúndio de belas músicas com “I’d have you anytime”, uma parceria Harrison-Dylan. E incluiu no disco uma única música não de sua autoria, “If not for you”, de Dylan.

George Harrison e Bob Dylan voltariam a trabalhar juntos em 1988 num dos projetos mais malucos, brincalhões, livres, leves e soltos da história da música pop, o conjunto chamado Traveling Wilburys, que lançou um disco com o mesmo nome, em que todas as canções tinham a assinatura coletiva de Traveling Wilburys. O encarte do disco explicava que o conjunto era formado por Otis Wilbury, Nelson Wilbury, Charlie T. Jnr, Lefty Wilbury e Lucky Wilbury. E avisava: “A Wilbury Record Company é uma subdivisão da Transwilbury Corporation da Bulgária”. Em lugar algum apareciam os nomes verdadeiros dos cinco sujeitos que resolveram se reunir – por pura diversão – para gravar umas musiquinhas e botar em disco: Bob Dylan, George Harrison, Roy Orbinson, Tom Petty e Jeff Lynne. Fariam ainda um outro disco, de 1991, brincalhonamente chamado de Traveling Wilburys Vol. 3 – sem que tivesse havido jamais um volume 2. Nesse Vol. 3 já não havia o grande Roy Orbinson, morto no finalzinho de 1988.

George e Tom Petty estariam juntos no Madison Square Garden em 1993 para o show pelos 30 anos de carreira de Dylan, que resultou no CD duplo The 30th Anniversary Concert Celebration. Eles e mais alguns super-astros – Stevie Wonder, Eddie Vedder,

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Perdão. Me perdi um Lou Reed, Eric Clapton, Neil Young, mais a veteraníssima The Band, reunida especialmente para a ocasião. Sim, mas e a tal história a respeito de George Harrison?

A historinha de George e a fama

pouquinho. Vamos lá. A história é tão deliciosa que, apesar de não se referir diretamente a Dylan, vale a pena rememorar. Ela foi contada por Anthony DeCurtis, editor colaborador da Rolling Stone, na edição de 17 de janeiro de 2002, logo após a morte de George. O jornalista se lembra de uma entrevista que fez com George na época do lançamento do seu disco Cloud 9, em 1987. “Na sessão de fotos para a capa da Rolling Stone que falaria sobre Cloud 9, o fotógrafo encorajou Harrison a andar um pouco. Harrison, que estava se sentindo cansado e mal humorado, fez algumas tentativas de mexer os braços e sorrir. Quando o fotógrafo quis que ele se esforçasse mais, Harrison o olhou friamente e disse apenas: ‘Tenho 44 anos’. Numa tentativa de conseguir que ele se esforçasse, a mulher do fotógrafo disse: ‘Você não quer sair na capa da Rolling Stone?’

Foi um erro, conta o jornalista.

George se emputeceu. “Será que eu conseguiria explicar pra você que isso não significa nada? Já apareci na capa de todas as revistas que existem. Já estive no mundo inteiro, me encontrei com todos os líderes políticos e religiosos que existem, e nenhum deles me deixou impressionado – imagine então o mundo da música pop. (…) Se eu não quero aparecer na capa da Rolling Stone? Não ligo a mínima.”

Dylan já recebeu todas as homenagens possíveis e imagináveis

Assim como George Harrison, Bob Dylan não precisa mais de reconhecimento, láurea, prêmio, homenagem, galardão – já recebeu muito mais do que um ser humano pode almejar em seu sonho mais louco. (Se é que ele é um ser humano.) Ganhou 11 Grammies, mais 6 Grammies Hall of Fame. O Rock and Roll Hall of Fame o premiou em 1988 e listou cinco de suas canções entre as 500 mais importantes já compostas. A Universidade de Princeton, uma das cinco mais respeitadas dos Estados Unidos, deu a ele um Doutorado Honorário de Música; o mesmo título foi dado a ele pela Universidade de St. Andrews, da Escócia. A França o homenageou com o título de Commandeur des Arts et de Lettres. A Espanha deu a ele o Prêmio Príncipe de Astúrias. Ganhou um Pulitzer especial, e a honraria do Kennedy Center. O Hall of Fame dos Compositores de Nashville – a capital do country – fez sua homenagem a ele.

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Mas, por uma dessas coisas incompreensíveis de marketing, de como o imaginário popular funciona, há dois prêmios que são mais badalados, mais respeitados, mais reverenciados que todos os demais – o Nobel e o Oscar. O Nobel ele ainda não levou (nem mesmo seu antecessor Pete Seeger levou, apesar de todo ano haver a indicação de seu nome por um grande número de admiradores). O Oscar, ganhou em 2001, pela canção “Things have changed” – um título emblemático, se lembrarmos da canção e do disco The times they are a-changin’, lançado em janeiro de 1964. A canção ganhou também o Globo de Ouro, mas o Globo de Ouro, embora importantíssimo, comparado ao Oscar é fichinha.

Dylan compôs “Things have changed” especialmente para o filme Garotos Incríveis/Wonder Boys, de Curtis Hanson – uma comédia amarga sobre o mundo universitário e suas imensas vaidades, estrelado por Michael Douglas, Frances McDormand, Tobey Maguire e Robert Downey Jr. Curtis Hanson dirigiu um clip da música “Things Have Changed” em que aparece – entre cenas do filme Garotos Incríveis – um Dylan bem menos sisudo, bem mais alto astral, do que o normal.

Não me lembro de ter lido matérias que explicassem como Curtis Hanson conseguiu extrair de Dylan uma canção especialmente para seu filme, mas foi uma sorte grande dele, Curtis Hanson. Dylan deve ter gostado do Oscar – tanto que, anos depois, faria outra canção especialmente para outro filme de Hanson, Bem-Vindo ao Jogo/Lucky You, de 2007; a canção chama-se Huck’s Tune – Huck é o nome do protagonista da história, interpretado por Eric Bana.

Deve ter gostado do prêmio, sem dúvida, mas não se preocupou em pisar no tapete vermelho mais visto do planeta e em comparecer à cerimônia; enquanto a Academia distribuía suas estatuetas de gesso, Dylan dava um show na Austrália, em mais uma das paradas do que ficou conhecido como a Neverending Tour, a turnê que nunca tem fim. (A Neverending Tour começou em meados dos anos 70 – muita gente disse que ela existiu para que Dylan pudesse pagar a Sara os milhões que ela pediu no processo de divórcio.) Os telões do teatrão de Los Angeles onde os Oscars eram entregues mostraram quase ao vivo Dylan cantando, do outro lado do mundo, a música premiada.

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O bicho não gosta muito dessas cerimônias em que os homens botam smoking e as mulheres se empetecam como nunca. Em 1991, quando recebeu no Radio City Music Hall de Nova York o prêmio especial pelo conjunto da obra na 33ª cerimônia de entrega do Grammy, falou apenas umas três frases, quase incompreensíveis, a respeito de seu pai e sua mãe. Me lembro bastante bem da cena, quase como se tivesse sido ontem. Era o dia 20 de fevereiro, e Bush pai tinha acabado de iniciar a guerra contra o Iraque – foi aquela primeira guerra que vimos ao vivo via CNN, com os foguetes de Bush pai cruzando os céus do Iraque deixando rastros de luz como se fosse um joguinho de videogame. Dylan subiu no palco e atacou “Masters of War”, canção do seu segundo disco, lançado em maio de 1963 – um dos mais virulentos panfletos contra as guerras que já foi escrito. Entrou mudo, vomitou o panfleto na cara da nação e foi embora depois de grunhir umas poucas palavras.

“Um paradigma, um paradoxo, um perturbador da paz, a dele mesmo e a nossa”

Antes que ele entrasse no palco, Jack Nicholson havia feito um discurso belíssimo, emocionante. É um brilho. Não sei se algum roteirista escreveu o discurso, ou se de fato é obra de Jack Nicholson, esse ator que é fantástico mesmo interpretando a si mesmo em todos os filmes. O camarada da Newsweek tinha razão ao dizer que “você não consegue dizer nada sobre Dylan que já não tenha sido dito”. Até porque, depois da apresentação de Jack Nicholson no Radio City Music Hall, não adianta dizer mais nada. Vou transcrever alguns trechos, embora boa parte da beleza se perca na tradução. (No final deste post, vai o texto original em inglês.)

“No caminho entre Los Angeles e aqui, enquanto cruzava o país, suas montanhas, seus rios, seus crimes, seus amantes, que ele tocou tão profundamente com seus dons, vim pensando sobre o que dizer nesta oportunidade para homenagear o Tio Bobby. Então comecei a folhear o dicionário. Todas as palavras pareciam se aplicar a ele. Na letra P, duas palavras abaixo de paradigma, que significa modelo, estava a palavra paradoxo, a palavra mais justa para ele, eu acho. Significa uma afirmação parecendo contraditória, mas, na realidade, possivelmente expressando uma verdade. Ele tem sido chamado de tudo, da voz de sua geração à consciência do mundo. Rejeita ambos os títulos, e todos os outros que tentaram usar para categorizá-lo ou analisá-lo.”

(Em “All I Really Wanna Do”, do quarto disco, Another Side of Bob Dylan, lançado em agosto de 1964, ele dizia: “I ain’t lookin’ to block you up, shock or knock or lock you up, analyze you, categorize you, finalize you or advertise you.”)

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Ele escancarou as portas da música pop mais do que todos os outros e ainda assim voltou à simplicidade dos acordes e emoções básicas para se expressar. Ele tem sido, e ainda é, um perturbador da paz, a dele própria assim como a nossa. Quando ele fala sobre si mesmo, é em geral escondido sob mistério ou humor, mas de vez em quando ele permite uma olhadela na pessoa atrás da persona. Alguns dos meus favoritos são: ‘Aceito o caos. Desisti de qualquer tentativa de perfeição.’”

(Essas frases de Dylan citadas por Jack Nicholson estão no texto que o compositor escreveu para a contracapa do disco Bringing it All Back Home, lançado em março de 1965. Caetano Veloso musicou a frase “I’ve given up making any attempt at perfection” e a canta ao final de sua gravação de “O Estrangeiro”, no disco Estrangeiro, de 1989. Aliás – me perdoem pelas digressões, mas não tem muito jeito – Caetano, gênio grande, incomensurável, sempre seguiu Dylan. No disco Caetano Veloso, de 1969, gravado quando ele estava em prisão domiciliar na Bahia, antes de ir para o exílio em Londres, compôs em inglês “The Empty Boat”, talvez a mais dylaniana música feito por outra pessoa que não Dylan. Em Circuladô Vivo, de 1992, fez uma gravação espantosamente bela de Jokerman, do disco Infidels, de 1983.)

E Jack Nicholson concluía:

“Alguns dos meus favoritos são: ‘Aceito o caos. Desisti de qualquer tentativa de perfeição. Sou chamado de compositor; um poema é uma pessoa nua, e então as pessoas dizem que sou um poeta. Tudo o que faço é dizer o que vai na minha cabeça do melhor jeito que eu sei, e tudo o mais que você disser sobre mim, tudo o que digo ou escrevo, sai de mim mesmo.’ Algumas frases antigas de Dylan.”

Depois de velho, ele até parece um ser humano. Será que é?

No meu texto sobre os 40 anos de Dylan, em 1981, escrevi algo parecido com aquilo a que Jack Nicholson se referiu – que ele fala pouco sobre si mesmo, e, quando fala, fala sob um manto de mistério ou humor. Depois de mais velho, Dylan deixaria de ser tão absolutamente discreto sobre si mesmo, suas opiniões, suas lembranças do passado. O grande Martin Scorsese extraiu dele um longo depoimento, com que pontuou os 208 minutos de seu documentário No Directions Home: Bob Dylan, de 2005. E ele mesmo contou algumas das histórias de sua vida no belo Chronicles Volume 1, lançado em 2004 – embora com muito cuidado, com muita discrição, quase como se com uma armadura em torno de si próprio e das pessoas mais próximas. Ele usa, por exemplo, a expressão “minha esposa” – e não cita o nome de Sara. Mesmo com esses cuidados, o Dylan pós 2000 é bem mais aberto sobre si próprio do que quando era mais jovem. E, por exemplo, Suze Rotolo, sua namorada dos primeiros tempos do Greenwich Village, no início dos anos 60, sobre quem não se sabia quase nada, quando escrevi o texto de 1981, ganhou vida e cara: foi entrevistada para o documentário de Scorcese; já se sabe um pouco sobre ela, sobre como foi o relacionamento dos dois. Dylan até fala um pouquinho dela no Chronicles – assim como fala um pouquinho de Joan Baez, com quem viveu uma das mais fascinantes histórias de amor e ódio de que já ouvi falar. Aliás, essa história é o tema de um dos belos livros escritos sobre Dylan: Positively 4th Street – The Lives and Times of Joan Baez, Bob Dylan, Mimi Baez Fariña and Richard Fariña, de David Hajdu.

Scorcese, cineasta de talento imenso, estudioso da história do cinema, é há décadas um sujeito que conhece música e o mundo da música a fundo. Não é à toa que fez No Directions Home: Bob Dylan. Foi o autor também de um documentário sobre os Rolling Stones, Shine a Light, de 2008; mas, já em 1978, havia feito The Last Waltz, uma beleza de documentário sobre as últimas apresentações da The Band, o conjunto que acompanhou Dylan desde os primórdios da sua eletrificação, em meados dos anos 60, até a turnê americana que resultou no álbum duplo Before the Flood, de 1974.

O Bob Dylan que mestre Scorsese mostra em seu documentário No Directions Home é, além de uma lenda viva, um gênio incensado e idolatrado como poucos ao longo de toda a história, um sujeito de mil caras e diversas vidas, também um ser humano.

Mas também é Martin Scorsese, né? É o cineasta que conseguiu criar o Jesus Cristo mais humano da história do cinema, mais ainda que o de Pasolini em O Evangelho Segundo Mateus. O Jesus de A Última Tentação de Cristo é tão humano que chega, ainda que por um breve momento, a ceder à tentação. O cineasta que conseguiu fazer aquele Cristo tão humano teria que conseguir mesmo transformar Dylan em um ser humano – e conseguiu.

Mas, mesmo depois de ver e rever o filme, continuo com minhas dúvidas, que aliás são as mesmas da Mary, a terceira mulher com quem compartilho minha admiração por Dylan no dia-a-dia, em casa, depois de Suely e Regina. Temos a suspeita, séria, de que na verdade ele é um MIB, um ser de outra galáxia, que tinha tanta coisa para dizer que não se incorporou em apenas um corpo humano, mas em vários – como, aliás, o diretor Todd Haynes mostra em seu Eu Não Estou Lá.

Os outros textos sobre Bob Dylan neste site:

Dylan Volume 1 – O artista que é três, cinco, vários, alguns milhões

Dylan Volume 2 – O press-release do disco Infidels

Dylan Volume 3 – Batendo na porta do céu

Dylan e Joan Baez cantam na Casa Branca as músicas que mudaram os EUA

Janeiro e fevereiro de 2010

O discurso de Jack Nicholson:

“With the possible exception of Boston Celtic, Kevin McHale, he was the most famous person ever to leave Hibbing, Minnesota, and with the possible exception of Francis Bellamy, author of ‘Pledge of Allegiance,’ he was probably the best-ever poet to graduate from Hibbing High, Class of ’59. On my way out here from L.A. as I was crossing the country, its, er, mountains, its rivers, its crimes, its lovers, that he’s touched so deeply with his gifts, I was thinking what to say on this opportunity to honor, er, Uncle Bobby [laughs]. So I started leafing through the dictionary [laughs]. All the words seem to apply to him [laughs]. Under P, er, two words down from paradigm, which means model, was the word paradox, the fairest word for him, I think. It means a statement seemingly, self-contradictory, but in reality, possibly expressing a truth. He’s been called everything from the voice of his generation to the conscience of the world. He rejects both titles and any others that try to categorize him or analyze him.
He opened the doors of pop music wider than anybody else and yet returned time and again to the simplicity of basic chords and emotions to express himself. He’s been, and still is, a disturber of the peace, his own as well as ours. When he talks about himself, it’s often guarded and shrouded in mystery or humor, but every so often he allows a peek at the person behind the persona. Some of my favorites are: ‘I accept chaos. I’ve given up making any attempt at perfection. I’m called a songwriter, a poem is a naked person, so people say I’m a poet. All I’m doin’ is saying what’s on my mind in the best way I know how and whatever else you say about me, everything I do or say or write, comes out of me.’ Some vintage Dylan.”

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