16.12.13

Tudo é Vaidade






  • TUDO É VAIDADE:

    O título desta crônica é trecho do livro do Eclesiastes onde se lê: “Vaidade das vaidades, diz o profeta, tudo é vaidade...” (Ecl 1,2”.

  • Apesar de um traço de aparente amargura, a frase chama a atenção para um sentimento que move grande parte da humanidade; a vaidade.
    No filme “O advogado do diabo”, o próprio demo, personagem interpretado magistralmente por Al Pacino, diz, ao final: “a vaidade é o meu pecado favorito!”.
    Conversando sobre vaidades, uma amiga minha, por esses dias, me disse uma frase que me fez pensar; “é preciso muita coragem para receber um elogio...”. 
    E o assunto parece estar me perseguindo. Assistindo a uma entrevista com o ator global Ney Latorraca, que contava da sua volta para ser protagonista na vida, nos palcos e telas, depois de longa e grave enfermidade, perguntado sobre o que o movia e motivava, respondeu: “a minha vaidade”.
    Sétimo pecado capital, a vaidade é normalmente associada ao orgulho excessivo, à arrogância e à presunção de quem se expõe para ser admirado, idolatrado, endeusado. Ou seja, é pecado praticado com gosto, talento e sofreguidão por uma multidão de celebridades e candidatos a celebridade, nessa imensa vitrine de brilho instantâneo e fugaz em que se transformou nosso mundo.
    São Tomás de Aquino considerava a vaidade um pecado tão arraigado na alma humana que deveria ser tratado em separado dos outros seis, merecendo uma atenção especial. 
    Penso que a vaidade nasce de um sentimento nada pecaminoso; o desejo de se sentir e se saber amado. Nada mais humano e, ao mesmo tempo, divino.
    Intuo, na Criação, um quê de vaidade por parte de Deus. Exibido, Ele se revela e transborda por inteiro no poema do Gênesis. E sua obra prima somos nós, sua imagem e semelhança. Somos como que um espelho no qual Deus, vaidoso, se vê, mesmo com nossas distorções de imagem. 
    Em Jesus, Deus, humano, se vê espelho de si mesmo, e o amor se revela berço, caminho e destino. Por isso, na experiência amorosa, no amar e ser amado, nos sentimos “em casa”. É nosso ambiente natural, o que mais nos realiza e humaniza. 
    A vaidade seria, portanto, expressão desse natural desejo de ser amado. O problema é a distorção...
    O amor nos abre a nós mesmos e ao outro. É o que está preconizado no mandamento maior: amar a Deus de todo coração e de toda a alma, e ao próximo como a si mesmo. O amor é a ponte que nos leva a Deus e nos devolve a nós mesmos e ao outro sem o qual Deus seria irreconhecível. Mas o egoísmo interrompe essa ponte. Qual enchente, leva de roldão nossa capacidade de amar e deixa no lugar os destroços e escombros da nossa vaidade. O Eu ocupa o lugar do Nós. 
    E assim, na vaidade adoecida, para chegar ao primeiro lugar, ao brilho dos holofotes, vale tudo, até perder-se a si mesmo. Não foi esse o questionamento de Inácio a Francisco? Imagino o santo de Loyola balançando a cabeça e dizendo ao vaidoso amigo: “Xavier, Xavier, de que vale ao homem ganhar o mundo inteiro se perder sua alma?”.
    Não foi, talvez, a vaidade que moveu Marta a ir, apressadamente, arrumar a casa enquanto Maria “escolhia o melhor”, permanecendo ao lado de Jesus?

  • Tem razão o Latorraca; a vaidade pode ser um impulso vital para nossos mais profundos desejos, mas é preciso encontrar o seu ponto de equilíbrio e virtude, sem o que, ela resvala dolorosamente para a mediocridade do pecado capital que nos empobrece e desumaniza.
    Muito tempo atrás vivi esse dilema. Numa celebração com um grupo mais íntimo, substitui o texto original da leitura do evangelho por uma meditação que fiz sobre o mesmo texto. O padre que presidia o rito recusou-se a ler e, ao final da missa, me chamou a atenção, criticando duramente o que chamou de vaidade exacerbada da minha parte.
    A reprimenda calou fundo, despertando sentimentos de culpa e vergonha. Vaidoso, fechei meu coração. Passei um longo período espiritualmente deprimido (desolação), sem escrever, sem compartilhar, sem fazer palestras, sem me expor. Ao final daquele ano me inscrevi, por telefone, num retiro inaciano na Casa da Gávea, no Rio de Janeiro. Só sabia que o pregador era o Pe. Mendes, que conheci em Santa Rita do Sapucaí. O que eu queria era silêncio, paz e oportunidade de rezar as angústias que feriam meu coração.
    Chegando lá, a surpresa: o retiro era para noviças de várias congregações religiosas. Eram 39 candidatas a freiras e eu. Se queria passar despercebido, o fracasso estava garantido.
    Mas... o Espírito Santo, além, de brincalhão, é muito sensível e competente. O retiro foi uma benção, coroado, ao final, por uma conversa/confissão libertadora com o Pe. Mendes. Contei a ele do episódio, dos meus sentimentos. Ouviu, sereno, e me perguntou: 
    “Eduardo, quando você escreve e compartilha um texto, quando faz uma palestra, quando orienta um grupo numa reflexão, você sente que faz bem às pessoas? 
    Pensei e respondi com profunda sinceridade: Sim, sinto que faço bem a muita gente. 
    Pois então, disse o Pe. Mendes, se sua intenção ainda não é suficientemente santa, santifique sua intenção, mas não deixe de fazer o bem...”.
  • Desde então, aprendi a lição: o Mal, vaidoso, não tem nenhum pudor em se fazer e dizer. Adora as manchetes, as vitrines, o horário nobre. O Bem, às vezes, fica cheio de frescuras.
    Em Belém, Deus revela sua maior vaidade: ser simples, tão simples quanto o amor pode ser...

    Eduardo Machado
    16/11/2013

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